A Gente Finge que Não Sabe de Nada

Olha como ela faz.
Posso até não estar completamente certo, mas algum sentido isso faz.
Dá pra perceber que ela quer ser vista e mais, que ela gosta de ser vista.
E nem falo no sentido de promiscuidade, falo de ser sexy sem ser vulgar.
Ela coloca a mão no cabelo devagar e troca a bebida de mão.
Vez ou outra ela some: ou para pegar mais bebida ou para ir ao banheiro.
Gosta de sorrir e mostrar que a felicidade está ali.
Ela sabe que estou olhando pra ela, ah se sabe.
Ela sabe que estou gostando do jeito que ela dança e conversa com os amigos, que aliás, pelos abraços fraternos, deixou claro que são só amigos mesmo.
Quando ela fica sozinha ela vai dar uma olhada no celular pra disfarçar, só que seu rosto fica ainda mais evidente no meio daquele escuro com luzes piscantes.
Os amigos voltam e ela comemora, ela quer se esbaldar.
Ela está ali para ser distrair.
E para seduzir.
A bolsa na diagonal no peito dá o toque de aparente responsabilidade.
Ela vibra quando começa uma música que gosta muito.
Coloca o braço pro alto segurando o copo e toma o cuidado de medir os movimentos do corpo.
Ela vai e vem, ela ondula, ela se move de modo a seduzir.
E ela consegue.
O calor aumenta e ela coloca parte do cabelo atrás da orelha e pede pra amiga segurar a bebida.
Ela se abana com as próprias mãos na tentativa de conquistar alguma brisa que traga frescor.
Ela olha para os lados e sabe bem para onde olhar.
Como eu disse, ela sabe que está sendo olhada e discretamente dá a entender para a amiga o quanto está gostando desse jogo.
Ela gosta mesmo é de provocar.
Ela se afasta um pouco dos amigos como se indicasse que gostaria de uma aproximação, mas após a primeira atitude contundente ela se retrai.
O negócio dela é o jogo do talvez.
Ela gosta mesmo é de brincar com as possibilidades, com o “quem sabe”.
Só que eu não vou passar a noite toda aqui parado. Ah, não vou.
Então eu me aproximo devagar e dessa vez tento inverter o jogo.
Eu me faço presente, eu me faço que ela perceba.
Converso com meus amigos e faço um ou outro movimento indicando que estou gostando da música.
Eu também olho no celular quando meus amigos se afastam.
Dou uma conferida nas novas fotos postadas e dou uma outra risada.
Ela percebe quando eu paro de olhar pra ela.
E então ela se irrita e volta a provocar.
E o jogo é esse: nada certo e tá tudo bem.
Ela vai pro meio da pista puxando uma amiga pra dançar.
Escolhe ficar na minha frente para que eu veja outros caras se aproximarem.
Ela não vive de elogios, mas ela gosta de usá-los a seu favor.
De longe e sem me importar vejo outros oferecerem bebidas.
Vejo também outros tentando tocá-la e ela delicadamente se afasta e sem falar uma palavra deixa claro que não quer nada.
Pronto.
Ela volta para onde estava.
E eu vou entrar no jogo.
Vou pra perto dela com meus amigos, assim, bem devagar.
Aumento meus movimentos aos poucos até a gente se encontrar.
E a gente se esbarra. Mãos de desculpas e um riso de canto de boca.
Então a gente começa a brincar de se conquistar.
Esse é o jogo, esse é o clima, essa é a valorização do talvez.
A gente reveza momentos de frente um para o outro e momentos que nos ignoramos.
Mas estamos ali.
Não dá pra garantir nada, mas isso também significa que não dá pra excluir nada.
A pista vai esvaziando, a gente vai ficando meio descolocado.
Altas horas já se passaram.
Por gestos que se tivessem voz diriam: “Amiga, olha meu cabelo que nojo, to encharcada!” ela já aparenta reclamar de cansaço.
Ela só não contava que eu gosto de cabelos molhados.
“Este é o seu melhor momento!” exclamo.
“Hahaha como assim?” questiona intrigada
“Conversar com você no fim da noite significa que estamos mais próximos de sair daqui” indireto.
“Tá, mas e daí?!” exige explicação.
“E daí que agora ao te ver com a maquiagem se desfazendo, o cabelo molhado, a aparência de cansada, consigo ver como você realmente é muito bonita.”
“Nossa, hahaha, besta!” se surpreende enquanto eu saio sem falar outras palavras mas com a semente da intriga positiva jogada.
Não dá pra garantir que vai acontecer alguma coisa,
mas alguma coisa eu já fiz pelo menos.
E a noite ainda não acabou.

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